Resenha: O Jogador

De Fiódor Dostoiévski.

O jogador é narrado em primeira pessoa pelo seu protagonista, Aleksei Ivanovich. Dessa forma, acompanhamos o desenrolar da obra sob sua perspectiva de realidade.

Vemos também no decorrer da obra um relato contemporâneo da condição social da Europa e uma crítica muito forte aos costumes ocidentais, que são recursos do realismo, um dos pontos marcantes de Dostoiévski, além do aprofundamento psicológico.

Aleksei Ivanovich é um preceptor russo empregado de uma família, também russa, falida que encontra-se de passagem pela cidade alemã de Roletemburgo. A comitiva é composta pelo General, que já não possui riquezas, apenas status e está no aguardo do falecimento de sua tia - conhecida por todos como a avó -  por ser seu único herdeiro, Des Grieux, um duque francês que era o fiador do General, um lorde inglês, Mr. Astley e duas madames francesas que seriam mãe e filha, madame e mademoiselle Blanche. A enteada do General, Polina e seus dois irmãos pequenos, que tinham como professor o nosso protagonista.

Com a certeza de uma morte iminente da avó, por estar sempre em correspondência com a Rússia, o General ostentava um estilo de vida caro para manter as aparências e o bom nome da família e também para impressionar Ms Blanche, por quem estava perdidamente apaixonado. Nota-se aqui uma vez mais a crítica aos costumes, que neste caso refere-se ao consumismo extravagante e exagerado por parte dos franceses da  época. Além da herança como garantia de pagamento a Des Grieux, o General ainda o promete a mão de Polina, o que causa um desconforto em Aleksei, que também era apaixonado pela enteada do General.

A família recebe então uma visita inusitada, o que acaba gerando uma reviravolta na história. A avó acaba aparecendo de surpresa na cidade, juntamente de sua comitiva. Para o espanto de todos, ela afirma saber da troca de telegramas do General com informantes russos e afirma que não lhe dará um tostão sequer da sua fortuna quando morrer.

Com isso, Polina se vê forçada a jogar a sorte no cassino para tentar pagar a dívida do General com o francês. Pede socorro a Aleksei Ivanovitch ,que aparenta ser um jogador experiente. Ivanovitch mostra-se resistente à ideia no início, mas por estar perdidamente apaixonado, acaba cedendo. O preceptor declara-se para Polina, jura ser escravo de seu amor, de uma forma tão intensa que era capaz de matar por ela, sem perguntar motivos. Polina testa então sua fidelidade e pede para que importune um casal que estava caminhando no parque. Aleksei aborda o casal alemão e fala algumas grosserias, acaba perdendo seu emprego por isso, o General não poderia ter por perto uma figura desrespeitosa como ele.

Agora livre da família, Aleksei começa a frequentar o cassino para ganhar o dinheiro necessário para Polina. Começa jogando de forma cautelosa e consciente, sabendo a hora de entrar e sair das mesas de apostas, porém cansa-se de jogar para Polina e pede a mesma para o libertar, assim desse modo poderia jogar sem medo.

Nesse ínterim, vemos a avó fazendo duras críticas aos jogadores e seu estilo de vida errático, não entendendo os mistérios do jogo, algo tão vulgar para pessoas em nobre posição. Acaba indo ao cassino para tentar entender a magia da roleta,  sucumbe ao vício pelo fato de ganhar muito dinheiro rapidamente. Passa a frequentar o cassino desde sua abertura até o momento de fechar. Inicialmente estava aos cuidados de Aleksei, que desiste de tentar dissuadi-la, logo em seguida fica abandonada aos cuidados dos poloneses frequentadores do cassino, que aqui são retratados como ladrões e inferiores, muito por conta do contexto histórico do autor.  Perde tudo de maneira tão rápida como ganhara anteriormente e ao fim do segundo dia, já estava pobre e sem reservas, fato que a leva a voltar para Moscou, fugindo dos infortúnios da roleta.

Sem chances de receber herança alguma, o General é abandonado pela comitiva e por sua amada Ms. Blanché e acaba por enlouquecer.

Ivanovitch não vê outra saída senão jogar para salvar Polina. Muda seu comportamento, passa de um jogador racional para um jogador passional. Ganha uma fortuna na roleta e quando vai entregar o dinheiro para sua amada têm uma discussão muito forte, pois Polina sentiu que Aleksei estava a comprando. Acabam por romper, Polina busca ajuda de Mr. Astley.

Ao ver o surgimento de um novo rico, Ms. Blanché aproveita a oportunidade e persuade Ivanovitch a viajar para França com ela, para viver uma vida momentânea mas de muito luxo e glamour.

Quando seu dinheiro acaba, Aleksei Ivanovitch volta a jogar e sua motivação que outrora fora Polina, passa a ser o jogo apenas com fim em si mesmo. Podemos perceber notas biográficas nessa passagem, uma vez que é sabido que Dostoiévski teve problemas com o jogo quando visitou a Europa Ocidental e também perdeu grande quantia em dinheiro.

Acompanhamos enfim o declínio do protagonista, que acaba por viver uma vida miserável e em situações precárias.

Ao não pagar uma dívida de jogo, é preso e recebe a ajuda de Mr. Astley, que além de dar-lhe dinheiro, tem uma conversa reveladora com Aleksei. Conta então que Polina sempre o amou e esperava que ficassem juntos, porém a situação de Ivanovitch era tão delicada que não se importou tanto com as informações que recebeu de seu antigo amigo.

Decide então jogar as últimas moedas dadas por Mr. Astley e ganha mais alguns trocados. Aleksei Ivanovitch, que outrora fora escravo do amor de Polina, é agora um escravo do jogo. Volta para roleta com o pouco que tinha e perde tudo, menos uma última moeda, aposta e ganha novamente para depois perder tudo mais uma vez, e assim acompanhamos sua degradação. Ao ingressar no jogo uma última vez, faz a promessa de que “‘amanhã tudo mudaria”’, e assim se encerram os relatos de um jovem jogador.

O jogador é um ótimo romance para começar a ler as obras de Dostoiévski. Leitura rápida e envolvente que nos desperta curiosidade e afeição pelos protagonistas e nos levar a problematizar as vicissitudes da vida e a nos perguntarmos no final se seria essa a natureza de um jogador.

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