Resenha: Crônica de uma morte anunciada
De Gabriel García Márquez.
Crônica de uma morte anunciada é um romance de Gabriel Garcia Marquez que foi publicado em outubro de 1981, um ano antes de o escritor ser laureado com o Prêmio Nobel de Literatura. Em suas palavras, o autor define como esse sendo o seu melhor romance.
Talvez a ideia não seja unânime, porém crônicas de uma morte anunciada é sim uma das obras de destaque do escritor. Muito em razão da sua escrita fluida e de narrativa cheia de fatos jornalísticos e investigativos a respeito do fato ocorrido.
Gabriel García Márquez é considerado o pai do realismo mágico latino-americano, gênero constituído em exageros da realidade com caráter fantástico, elementos irreais fundem-se com o mundo habitual sem explicações. Foi essencial para trazer reconhecimento para a literatura latino-americana em língua castelhana.
O enredo da obra baseia-se no fato já exposto no título, uma morte anunciada em um pequeno vilarejo na Colômbia. Santiago Nasar, a vítima, era um jovem de 21 anos, rico e charmoso. Era noivo, mas ao que tudo indica era conhecido por ser um grande mulherengo e frequentar casas “noturnas”. Sua figura não era unanimidade no vilarejo, pois por ser de família bem-aventurada e ser bonito, muitos o achavam arrogante.
Foi morto pelos irmãos gêmeos de Angela Vicario, a quem supostamente havia desvirginado antes de seu casamento com Bayardo San Román, ferindo então a honra de sua família.
"No dia em que iam matá-lo, Santiago Nasar levantou-se às 5:30 da manhã para esperar o barco em que chegava o bispo”.
A história nos é narrada em primeira pessoa, 20 anos após o ocorrido, por um amigo de infância de Santiago que não tem seu nome revelado.
O cronista volta ao vilarejo com o intuito de esclarecer os fatos que levaram a referida tragédia, com a esperança de provar a inocência do finado companheiro.
O narrador tem acesso aos autos do processo e também entrevista inúmeras pessoas que tiveram contato com Santiago no fatídico dia. É nos apresentado a cronologia dos fatos, divididos em três partes: o casamento, o dia do crime e momentos após o homicídio.
Na noite anterior ao assassinto, casavam-se na cidade Angela Vicario, que provinha de uma família tradicional da comunidade, e Bayardo San Román, um forasteiro rico. Bayardo proporcionou uma festa à altura de sua riqueza, onde praticamente toda a gente da vila fora convidada para comer e beber em abundância. Santiago e o cronista estavam lá com mais dois amigos. Aproveitaram as festividades, embriagaram-se e foram embora para “casa de massagem” da cidade.
Após dispersarem os convidados, os então marido e mulher encaminharam-se para sua casa nas colinas para terem a noite de núpcias.
Horas mais tarde, Bayardo bate à porta da mãe da noiva e então devolve Angela Vicario à família, pois havia sido humilhado por suas mentiras. Puríssima Vicario, após surrar a filha, descobre os motivos do noivo e a desonra imposta à família, Angela casou-se sem ser virgem.
Ao chegarem em casa, seus irmãos, os gêmeos Pedro e Pablo Vicario enfurecidos a questionam quem havia sido o causador da desonra, sem hesitar ela responde que Santiago Nasar a havia desvirginado.
Coléricos, os gêmeos juram fazer Santiago pagar com a vida para lavar a honra da família. Buscam duas facas de estripar porcos em seu trabalho, que foram elencadas como as ferramentas do crime. Temos a segunda parte da narrativa, onde os gêmeos caçam e anunciam a todos que encontram pelo caminho, que matariam Santiago Nasar.
A população ficou claramente dividida, muitos que ouviram o testemunho dos irmãos, não levaram em consideração, porque acreditaram que se tratava de papo de bêbados de ressaca, eles nunca seriam capazes de tal atrocidade perante os olhos de quem os conhecia, por isso não fizeram esforço algum para avisar a vítima.
Já outra parte dos ouvintes, decidiu ignorar os avisos e deixar que o fato se consumasse, para alguns Santiago não era uma boa pessoa, era de origem árabe, mulherengo e arrogante.
Conforme a proximidade de cumprir a promessa chegava, os irmãos Vicario passavam a ficar mais tensos - aqui é possível questionar se realmente tinham intenção de matar a vítima - aumentaram a frequência dos avisos aos vizinhos, tentaram informar à todos o que pretendiam fazer, porém não havia forma de a mensagem chegar à Santiago, ninguém o vira depois que fora ao rio constatar que o bispo daria benção de seu lugar no barco sem pisar em terra firme.
Por fim a mensagem chega até Cristo Bedoya, um dos grandes amigos de Santiago, que corre contra o tempo para salvá-lo. No caminho, Cristo confronta os gêmeos e os adverte, dizendo que Santiago Nasar estava em posse de sua Magnun .357, o que era uma mentira, todos no vilarejo sabiam que Santiago, assim como o pai, jamais fora visto armado na rua.
Santiago Nasar é avisado na casa de sua noiva de que os gêmeos o esperavam para matá-lo. Desconhecendo os fatos apresentados, dá de ombros e acaba indo ao encontro de seus algozes. Os irmãos Vicario cumprem o prometido sem serem impedidos, e Santiago é morto estripado que nem um porco à porta de sua casa.
Em seguida os gêmeos são perseguidos e acabam se rendendo na igreja, são presos e tem um julgamento demorado. O corpo do jovem é velado em sua casa, nos é exposto fatos de uma autópsia conturbada e amadora.
Anos após o início do processo, o juiz conclui o inquérito apontando que não conseguiu encontrar um só indício demonstrando que Santiago era o causador da ofensa.
“...ele morreu sem compreender a sua morte.”
Crônicas de uma morte anunciada é um livro curto, uma crônica com o tamanho maior que uma habitual. Sua escrita fluida e linguagem simples, possibilita a leitura em um único fôlego.
No livro, observamos diferentes posturas e atitudes frente a um crime anunciado. Podemos falar de omissão e não ação aqui, e até mesmo em falta de empatia. Ninguém acreditou na capacidade dos gêmeos de realizarem o crime que haviam premeditado. As pessoas ainda relacionavam seu ataque de fúria com a ressaca da bebedeira do casamento da noite anterior e preferiram não levar em consideração.
Depois de 20 anos, conseguimos perceber na fala dos entrevistados e do cronista, o peso do remorso dos que podendo agir, optaram por não agir, não avisando o morto ou tampouco tentando dissuadir os irmãos.
Já sabemos o desfecho do livro desde a sua capa e até mesmo temos a confirmação no primeiro parágrafo onde o autor revela o fato. Santiago morre e isso é uma certeza, mas nada consegue impedir o leitor de seguir torcendo para que o jovem seja avisado a tempo e desvie seu caminho, ou que consiga buscar reforços para combater os gêmeos covardes que o esperam em maioria. Esse é o poder que Gabriel García Márquez tem, prender nossa atenção com informações investigativas onde nos desperta dúvidas sobre a realidade do desfecho e a culpabilidade da vítima - que no caso morreu sendo o agressor.
Embora conhecendo o fim do livro pela capa, eu garanto que você se surpreenderá durante a leitura.
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