Resenha: A Natureza da Mordida
De Carla Madeira.
A Natureza da Mordida é o segundo livro publicado pela autora Best Seller brasileira Carla Madeira. Assim como o seu arrebatador livro de estreia, Tudo é Rio, esta obra também trata de temas difíceis de serem abordados, como por exemplo, abandono familiar, perdas e tragédias.
Carla segue mesclando sua escrita poética com conteúdos pesados durante toda a trama. Cada capítulo é envolto em uma leitura fluida e escrita proseada. No livro, podemos acompanhar o encontro entre Olívia, uma jovem jornalista que possui uma peculiar história de vida, e Biá, uma psicanalista aposentada, em um processo avançado de demência e já quase em fim de vida.
“A vida não é de confiança, Olívia, nos apunhala com a mesma faca que passa manteiga. A vida, essa senhora banguela, não teme a feiura e faz coisas medonhas com sua boca murcha que não lhe inibe as gargalhadas. Ao contrário, gosta de nos exibir a extensão da mordida que nos dará com deboches e ironias ao invés de dentes, para nos fazer pagar a língua enquanto giramos estonteados, para lá e para cá, entre suas gengivas.”
Já no início do livro, temos o encontro entre as duas protagonistas e narradoras da história, Olívia e Biá. Biá, uma velha senhora, se dirige ao sebo do Rodolfo como fazia habitualmente em todos os domingos. Chegando lá se depara com uma moça sentada em seu cantinho favorito. Ofendida, decide expulsar aquela linda garota ruiva de olhos verdes de seu lugar. Enquanto se dirigia até o local, nota que a moça, que estava concentrada em uma escrita profunda, chorava de forma descompensada. Com pena, a senhora decide se aproximar e iniciar uma conversa para tentar confortar a jovem.
A partir desse momento, uma amizade pouco provável acontece. Biá cumprimenta Olívia, se apresenta e diz se chamar Emma. Diz que Biá é seu nome de “louca”, que vinha sempre à banca de Rodolfo por amar literatura, e que costumava dar aulas. Diz também ser uma velha esquecida e que provavelmente esqueceria daquele encontro. Mas, mesmo assim, decide perguntar o que havia acontecido para a menina estar tão triste.
“O que você não tem mais que te entristece tanto?”
Após um momento de reflexão, onde relutou muito, Olívia decide compartilhar sua história com Biá, por ter se sentido muito acolhida pela sua abordagem. E foi assim que, durante quase 18 encontros narrou todos os dias sua história de vida, desde sua infância, quando perdeu o pai de forma trágica e abrupta, cita Rita, sua melhor amiga que rompe a relação sem explicação, até o trágico dia que encontrou Biá pela primeira vez.
Dona Emma, em seus momentos de lucidez, também compartilhava com Olívia sua triste história. Falou sobre casos de pacientes que atendia quando era psicanalista, contou sobre seu grande e único amor, Téo, com quem se casou e teve uma filha chamada Teresa, contou também que havia sido abandonada pelo seu marido e que a falta de explicação comprometeu sua relação com a filha que não entendia os porquês.
“Nossa amizade começou assim, enquanto nos afogávamos”
Olívia conta sua infância. Fala dos pais apaixonados e da mãe que era extremamente linda. Seu pai havia morrido em um acidente muito jovem e sua mãe arcou com a responsabilidade de a criar sozinha, tendo que ser forte e lutar contra todo preconceito de ser uma jovem viúva naquela época.
Expõe como iniciou sua amizade com Rita e de como passava os dias em sua casa. Rita que desde os primeiros momentos em que se conheceram defendeu Olívia do bullying sofrido em sua rua. Eram como irmãs e Olívia era como parte da família de Rita. Porém tudo mudou no período que estudavam para o vestibular.
Aparentemente Rita estava sobrecarregada por sentir a pressão de uma família muito rica e bem-sucedida, a amizade ficou em segundo plano e um dia sem mais nem menos, diz para Olívia ir embora de sua casa e pede para ela nunca mais voltar. Isso a devasta por anos.
“O que geralmente nos fere Olívia, sempre envolve o que amamos.”
Dona Emma deixa claro o amor que cultivava pela literatura, que era uma
apaixonada fervorosa por livros. Narra uma vez que acabou esquecendo sua filha
na escola porque estava mergulhada na leitura de “Cem Anos de Solidão”, e que
isso trouxe grandes problemas para a relação das duas. Biá tem uma certa piora de saúde durante os encontros. Acaba se mostrando cada vez menos lúcida, o que preocupa Olívia que decide ir atrás de um contato mais próximo com Teresa sua filha.Em uma visita na casa de Biá, Olívia finalmente conhece Teresa, acaba descobrindo que muitas histórias que ouviu da senhora não passavam de invenções ou devaneios, mas no fundo prefere acreditar que aquelas histórias representavam a vontade da velha amiga em mudar o que havia feito no passado.
“Crime e Castigo no sebo nos fará muito melhor do que crimes e castigos nos jornais.”
Biá, uma psicanalista aposentada e apaixonada por literatura, estava vivendo seus
últimos momentos de lucidez normalmente, quando encontra Olívia, em seu sebo favorito, no meio de Belo Horizonte. A amizade e intimidade que envolve essas duas protagonistas é tão grande que o livro se desenrola todo em volta de suas histórias muito semelhantes.
Olívia vê sua amizade com Rita, sua melhor amiga de infância, e com quem dividiu grande parte de sua vida, ser rompida sem nenhuma justificativa e passa a viver com o fantasma dessa separação, buscando todos os dias entender os motivos que levaram Rita a se afastar dela. Do outro lado, acompanhamos Biá que é abandonada pelo marido, seu melhor amigo e amor de sua vida. Durante 18 encontros acompanhamos aos poucos a revelação de toda história de Olívia, da razão de seu choro no sebo. Descobrimos o desfecho de Biá, sua filha Teresa e conhecemos mais sobre Téo.
A autora novamente nos envolve com sua escrita poética e realista. Conseguimos
claramente transpor esta trama de ficção para vida real. Mais uma vez, Carla Madeira alcança êxito com a obra e se reafirma como um expoente da literatura contemporânea brasileira.
Por se tratar de um livro cheio de mistérios interdependentes que dão razão e explicações aos acontecimentos, não revelarei spoilers durante essa escrita (fato raro). Recomento de fato, a leitura de A Natureza da Mordida, que nos trás uma história muito triste, mas acompanhada de uma beleza literária.
Gostou do conteúdo deste post? Considere apoiar o nosso blog adquirindo o seu livro através dos nossos links. Somos afiliados da Amazon e ganhamos uma pequena comissão sem que o valor final seja alterado para você.